Profa. Dra. Maria Generosa Ferreira Souto[1]
(Unimontes/Montes Claros/MG)
Prof. Carlos Alberto Ferreira Brandão[2]
(Unimontes/Montes Claros/MG)
Prof. Francisco Rodrigues Júnior[3]
(Unimontes/Montes Claros/MG)
RESUMO: Este
texto tem como objetivo apresentar o resultado da pesquisa Literatura das
Bordas do São Francisco – Estudo das obras marginais que representam Pirapora,
São Romão, São Francisco e Januária, um estudo da literatura produzida no Norte
de Minas Gerais, desenvolvida na Universidade Estadual de Montes Claros entre
2008 e 2010. O trabalho tem a intenção de apresentar autores
mineiros, cuja produção, em representação
e poesia, encontra-se fora do cânone, porém trazem contribuições
importantes para a cultura local e global. Pretende valorizar a obra
de escritores norte-mineiros, muito oportuna num momento em que se
discute o cânone, e, ousa mostrar o que chamam,
teimosamente, de a literatura da
exclusão, a literatura periférica, a literatura confessional, a literatura
enjaulada, também dita marginal ou das bordas.
PALAVRAS-CHAVES: Literatura brasileira contemporânea – Cânone –
Escritores mineiros.
ABSTRACT: This text has as
objective to present the result of the research Literature of the Edges of the
San Francisco - Study of the workmanships delinquents who represent Pirapora,
Is Romão, San Francisco and Januária, a study of the literature produced in the
North of Minas Gerais, developed in the State Clear Mount University between
2008 and 2010. The work, therefore, has the intention to present mining
authors, whose production, in representation and poetry, meets outside of the
rule, however brings important contributions for the local and global culture.
It intends to value the workmanship of writers north-miners, very opportune at
a moment where if the rule argues, and dares to show what they call,
stubbornly, of the literature of the exclusion, peripheral literature,
confessional literature, enjaulada literature, also said delinquent or of the
edges.
KEYWORDS: Brazilian literature
contemporary - Canon - Mineiros Writers.
Introdução
O presente trabalho postula apresentar resultados da Pesquisa “Literatura das Bordas
do São Francisco – Estudo das obras marginais que representam Pirapora, São Romão,
São Francisco e Januária, um estudo da literatura produzida no Norte de Minas
Gerais”. Os porta-vozes dessa nova vertente da
literatura periférica, porém, é parte
integrante da Literatura Brasileira Contemporânea, visam à construção de textos
fictícios tecidos em torno do insólito, da monstruosidade, da cidade, da violência, da seca, das chuvas, do
sofrimento, da memória, dos mitos, da tradição, das festas, da religiosidade, da
desagregação da estrutura familiar, da força do tráfico e do submundo do crime,
da organização do sistema carcerário, da falta de perspectiva dos jovens, entre
outros objetivos.
Além disso, os escritores marginais, ao
produzirem seus textos, intentam ressaltar os aspectos positivos das bordas da
sociedade, como a solidariedade; o espírito de coletividade e a união tão caros
às comunidades carentes; o singular modo de falar, pleno de gírias características;
e, sobretudo, as manifestações culturais que emergem desses lugares. Não são
cânones, mas podem ser desvinculados do clichê periférico. Para isso pretende-se rastrear as
representações imaginárias sobre os mitos e ritualizações da palavra barranqueira,
com a intenção de trazer ao público as produções literárias “das bordas”norte-mineiras, enquanto
escritores marginais, e destacar as formas de enfrentamento aos estereótipos
negativos sobre aquela literatura como subliteratas. E, ainda, analisar as
representações folclorísticas do imaginário, das festas, das mídias, dos mitos,
dos rituais da palavra escrita e das identidades do sertanejo que vive à margem
direita do Rio São Francisco. Buscar, coletar e catalogar a produção poética (em prosa e verso) de
Pirapora a Januária, em Minas Gerais, em
suas linhagens e releituras a partir dos
anos 50 à pós- modernidade.
Material e Métodos
A metodologia
deste estudo prendeu-se aos métodos
qualitativos e descritivos, aliados à técnica documental. As atividades desenvolvidas na pesquisa foram centradas na
busca e na leitura crítica de todos os
livros impressos encontrados nas barrancas do rio, no norte de Minas Gerais, a
saber: Recolha das obras literárias; Conhecimento da
bibliografia geral da área de concentração (teoria, crítica e ficção);
Conhecimento da bibliografia específica do recorte de pesquisa escolhido no
interior da área. Realizou-se estudos e pesquisas voltadas à teoria
literária, realizadas nas reuniões do
Grupo. Análises quantitativas dos dados: levantamentos preliminares e
subsidiários às análises qualitativas, através do levantamento comparativo e
percentual das ocorrências em cada livro. Análise qualitativa do material
estudado. Além das necessárias referências históricas, a análise dos textos
ensaísticos requer um estudo dos discursos a partir da retórica argumentativa.
Apresentações em seminários e congressos, além da participação em eventos
similares regionais, locais ou nacionais.
Resultados e Discussão
O presente trabalho realizou um estudo da literatura produzida no
Norte de Minas Gerais, especialmente das cidades ribeirinhas das margens
direita: Pirapora e São Francisco e da margem esquerda: São Romão e Januária a
fim de enriquecer o estudo das literaturas das gerais para criação e
fortalecimento do Mestrado em Literatura Brasileira, recém-implantado na
Universidade Estadual de Montes Claros/Unimontes. Para isso rastreamos as representações
imaginárias sobre os mitos e ritualizações da palavra barranqueira, com a
intenção de trazer ao público as produções literárias “das bordas”norte-mineiras, enquanto
escritores marginais, e destacamos as formas de enfrentamento aos estereótipos
negativos sobre aquela literatura como subliteratas. Realizamos análise das
representações folclorísticas do imaginário, das festas, das mídias, dos mitos,
dos rituais da palavra escrita e das identidades do sertanejo que vive à margem
direita do Rio São Francisco. Desenvolvemos um estudo dos diálogos dessa
literatura norte-mineira com outras literaturas, com formatos híbridos, do
local ao global, conforme propõe Homi Bhabha (1998). Verificamos que os temas
apresentados mesclam-se aos temas da literatura brasileira contemporânea em
todo o Brasil.
Segundo Robert Darnton (1987), a marginalidade de uma obra é dada,
essencialmente, pela posição do não-reconhecimento procedente do sistema
literário instituído. A subversão aos valores dominantes, por estar à margem,
se realiza de maneira explícita e descompromissadamente, tendo a denúncia lugar
de destaque. Na visão desse crítico, os escritores marginalizados pelo “Ancien
Regime” são classificados como subliteratos. A fundamental característica dessa
produção literária anterior à Revolução Francesa, com efeito, era expor
claramente o ódio ao sistema falacioso da “república das letras”, via denúncias
relativas aos privilégios dos escritores que eram prestigiados pelo rei. Dessa
forma, o monopólio da “boa literatura” precisava ser atacado.
A obra de autores norte-mineiros, tais como Afonso Schimidt, com o livro
“Pirapora”. De Januária José Antônio de Souza com o livro “Paixões Alegres” e
Jove da Mata com “ Quem fui!!! Quem sou”. De São Francisco, Geraldo Ribas com “O
laço encarnado”, João Naves de Melo com o livro “O homem e suas tempestades”.
De São Romão Maria da Glória Caxito Mameluque com “Crônicas do cotidiano” e
outros que forem catalogados posteriormente, por situarem-se à margem do
sistema literário brasileiro, adota a denúncia do sofrimento e da alegria do
povo do rio São Francisco, em que habitam tipos humanos diversos, como um de
seus objetivos fundamentais de análise.
Na esfera literária brasileira, percebemos
que os representantes da literatura periférica, têm produzido textos como
instrumento de luta contra a massificação que domina e aliena os segmentos
excluídos da sociedade. Tais escritores, então, têm produzido uma literatura de
resistência, como forma de garantir que a população do gueto/favela/periferia/barrancas
seja incluída no cenário sociocultural do país, assegurando, portanto, a
representatividade da arte e da cultura autênticas desse segmento social
composto pela maioria, mas que, infelizmente, representa uma minoria.
Apreendemos que o caráter de marginalidade
de alguns textos literários também está diretamente relacionado ao esquecimento
da crítica. Robert
Darnton (1987), ao estudar a boêmia literária no
período que antecedeu a Revolução Francesa, esclarece que os textos marginais
dos chamados subliteratos, e que faziam denúncias e promoviam o fim do regime
instituído pela aristocracia. De acordo
com Darnton, os marginais das letras, como eram conhecidos, carregados de um
ódio visceral pelas instituições, tiveram uma participação fundamental na
revolução que acabou com o modelo do “Ancien Regime”. É fato que a partir da
década de 90 do século XX a literatura marginal sofreu uma contundente mudança.
Nessa época, os escritores eram representantes da classe média e alta que
tratavam de questões cotidianas de modo irônico.
Hoje, o projeto literário dos escritores das
barrancas do São Francisco e os demais escritores da margem direita do rio é
fazer com que a voz dos grupos excluídos da sociedade retumbe no entre-lugar,
no dizer de Homi K. Bhabha (1998), quando interpreta a cultura como estratégia de sobrevivência. O foco
de sua análise são os discursos marcados pela questão da diáspora, do exílio,
dos deslocamentos de todos os tipos: linguísticos, históricos, geográficos. A
troca de experiências entre povos de culturas diversas passam a dividir um
mesmo espaço (coexistência mais ou menos forçada), desencadeando
um movimento ininterrupto de construção de significações. Os híbridos daí surgidos não seriam uma
mescla, um produto da soma de duas matrizes culturais,
apto a traduzi-las e reinterpretá-las, um produto final sintético. Seriam, em contrapartida, signos em constante estado de
ajuste, situados num espaço que Bhabha
denomina de entre-lugar.
Vale dizer que o híbrido, para Bhabha, não é algo concreto, dado, mas algo ativo,
um processo. O hibridismo simultaneamente
afirma e nega a semelhança com aquilo que o gerou e se afirma num outro
caminho, numa linha fronteiriça, num local de perda de sentidos
pré-estabelecidos, numa corda bamba, no fio de navalha que é o entre-lugar. Esta tensão criativa
seria responsável pela recuperação do aspecto histórico e político da cultura:
“Minha passagem do cultural como objeto epistemológico à cultura como lugar
enunciativo, promulgador, abre a possibilidade de outros ‘tempos’ de
significação cultural (...) e outros espaços narrativos (...).” (Bhabha, 1998,
p. 248). Espaços intervalares nos
quais identidades diferenciais estarão sempre em negociação, rearticulando-se,
redefinindo suas fronteiras. Segundo Bhabha, tais espaços devem ser percebidos
com um futuro, sem que isto signifique uma origem num passado específico, que
cruza um presente transitório para alcançar um fim previamente determinado. O
futuro, ao qual Bhabha se refere, que só existe enquanto questão aberta,
situado num entre-tempo.
Verificamos que os porta-vozes dessa nova
vertente da literatura periférica visam à denúncia da violência – sobretudo a
policial – da desagregação da estrutura familiar, da força do tráfico e do
submundo do crime, da organização do sistema carcerário, da falta de
perspectiva dos jovens, entre outros objetivos. Além disso, os escritores
marginais, ao produzirem seus textos, intentam ressaltar os aspectos positivos
das bordas da sociedade, como a solidariedade; o espírito de coletividade e a
união tão caros às comunidades carentes; o singular modo de falar, pleno de
gírias características; e, sobretudo, as manifestações culturais que emergem
desses lugares. Não são cânones, mas podem ser desvinculados do clichê
periférico.
A exceção à preponderância do cânone surge no artigo
“Heterônimos e cultura das bordas: Rubens Lucchetti”, em que Jerusa Pires
Ferreira (USP, 2000) pretende desvincular a obra deste autor de livros
policiais e de terror da idéia de literatura marginal, associando-a à “cultura
das bordas”. Contudo, a autora situa a obra de Lucchetti “numa faixa de
transição” e afirma que “estudar um autor como ele conduz a que se procure
entender o cânone desta literatura” voltada para os públicos populares. Quando
Jerusa situa a obra do escritor nas bordas, e não no centro, e se refere ao
“cânone desta literatura”, ela acaba por inserir a obra de Lucchetti, em
relação à literatura tradicional, num lugar de exclusão. O artigo de Jerusa é
exceção por abordar o trabalho de um autor voltado para uma faixa mais popular
de público.
Falo de cultura das
bordas e não das margens, para não trazer a noção pejorativa ou mesmo reversora
de marginal ou de alternativa. Com “bordas” quero enfatizar a exclusão do
centro, aquilo que fica numa faixa de transição entre uns e outros, entre as
culturas tradicionais reconhecidas como folclore e a daqueles que detêm maior
atualização e prestígio, uma produção que se dirige, por exemplo, a públicos
populares de vários tipos, inclusive àqueles das periferias urbanas (FERREIRA,
2000, p. 54).
Com relação aos gêneros literários, as
formas narrativas ditas confessionais (autobiografia, diário, memórias),
escritas em primeira pessoa, por muito tempo, foram consideradas menores e,
desse modo, seguiram seu curso, conforme Leila Perrone-Moisés (1998),
distanciadas das “altas literaturas”, portanto periféricas e marginais. Graças
a uma visão simplista, que considera tais narrativas como formas de “não
ficção”, por apresentarem vestígios factuais, houve uma segmentação entre
Literatura de fato e as obras confessionais.
É verdade que muitos teóricos têm
questionado sobre a possibilidade de haver realmente um traço formal que
distinga a narração de acontecimentos verificáveis da narração produzida pela
imaginação. Há um consenso, todavia, tanto no que se refere aos gêneros
confessionais quanto às outras formas literárias: ambas se constituem em
maneiras expressivas de narrar a experiência humana. Antes de tudo, a
literatura confessional é Literatura. Essa separação, portanto, deveria ser
fruto apenas de implicações teóricas relacionadas ao uso da primeira pessoa
dentro da narrativa.
É possível identificar, na dinâmica dos valores
vividos em contextos de pobreza, certas motivações que levem à atividade
social da leitura e da escrita. Trata-se de descobrir o leitor escritor potencial.
No dizer de Alfredo Bosi “O que me move é pensar o excluído como agente
virtual da escrita, quer literária, quer não literária. Como o excluído
entra no circuito de uma cultura cuja forma privilegiada é a letra de
fôrma?” (BOSI, 2002, p. 261).
O estudo
prendeu-se, portanto, à investigação do
imaginário escrito nas/das águas, concernente aos causos narrados oralmente, e
que foram registrados por escritores
desconhecidos, anônimos, das cidades de
Minas Gerais, principalmente de Pirapora, São Romão, São Francisco e Januária.
São narrativas e poesias que são
elaboradas da experimentação, no cotidiano dessas pessoas, na intimidade com as
águas do rio São Francisco, em sua labuta diária pela subsistência, nos
prazeres e nos perigos enfrentados na pesca ou no lazer. Tratadas como literatura
oral (SÈBILLOT, 1995; CASCUDO, 1984), como formas simples (JOLLES,
1975) ou ainda como literaturas da voz (ZUMTHOR, 2000), por definir os
elementos fundamentais da vocalidade e da performance, estas
narrativas se manifestam através de um corpus bastante amplo e variado:
contos, mitos, lendas, causos, cantigas, rezas, adivinhas, ditados, dentre
outras formas de expressões orais. Ricas em significados, tais narrativas
revelam informações históricas, etnográficas, sociológicas e denunciam
preceitos, costumes, idéias, mentalidades, julgamentos.
Inserida no
campo da Literatura Comparada e da Crítica Cultural, a pesquisa parte de uma
visão etnoliterária, fundamentando o tratamento dos relatos nas concepções
sobre o testemunho e em ISER (1996), na perspectiva antropológica, para
o entendimento da articulação entre o fictício e o imaginário; em
ZUMTHOR (2001), para o entendimento das questões inerentes à performance,
centrada no jogo de expressão e percepção entre o contador e o (s) receptor
(es) no ato imediato da comunicação;
para o entendimento de cultura como recurso
para o turismo cultural, isto é, para a promoção as indústrias de
entretenimento que exploram o patrimônio
cultural como uma alternativa sustentável de desenvolvimento.
O intuito deste trabalho, enfim, é o de apresentar à
Academia 50 nomes de escritores mineiros, cujas produções em prosa e verso
encontram-se adormecidas, baças, achadas “menores”, consideradas à margem do cânone. Por isto, provocamos
o assunto. A discussão acerca do cânone é antiga e, permanentemente,
surgem indagações do tipo: “Estar dentro do cânone, depois de morto ou estar no
cânone, em vida?” Eis a questão. Não quero, aqui, montar uma conspiração contra a literatura
clássica, pelo contrário, acho-a importante, grandiosa, necessária. Todos
devemos estudá-la, mas não somente ela.
O debate sobre o cânone continua, ainda, teimosamente,
ligado a vários aspectos, principalmente à dominante da época, como por
exemplo: dominantes ideológicas, estilo de época, gênero dominante, geografia,
sexo, raça e classe social, os mais fortes e os mais fracos, como escreveu e
mostrou ao mundo Harold Bloom (2005), numa espécie de cardápio, como se
dissesse o que pode e o que deve ser lido como literatura. Continua, portanto,
uma espécie de etiqueta. Bloom preocupou-se em distinguir os poetas
“fortes” dos “fracos”. Destacou-se sempre por escrever sem cerimônias, visando
a separar o joio do trigo, analisando, criticando ou recomendando bons e maus
textos.
Por
esta razão, o trabalho de Bloom prescrevendo um cânone consagrado no Ocidente
causa rebuliços no mundo acadêmico e mesmo fora dele. Enquanto conjunto
orgânico ou articulado de livros eleitos por seu valor estético, a demarcação
de um cânone ocidental é acusada de ser autoritária por feministas, marxistas,
pós-colonialistas e outras correntes de pensamento pós-modernas. Bloom tenta se
defender, alegando que não é o responsável pelas próprias escolhas: haveria um
processo de canonização, incluindo e substituindo os títulos na medida em que
os escritores fazem escola ou são esquecidos e abandonados pelos leitores. Isto
é o que ele diz.
Sabe-se que aquilo que é canonizado em certas épocas,
é esquecido noutras; o que foi esquecido
pode ser resgatado em outra. Bom exemplo disso é o que aconteceu com
Alexandre Dumas, em Portugal, com Qorpo Santo e Sousândrade, no Brasil, e com o
grande nome Charles Baudelaire, na França.
Sempre
ao arrepio das vanguardas literárias e dos cânones nobilitadores das belas
letras, primícia literária para todos os grandes e pequenos leitores, foi
escarnecida e refugada pelas academias, onde se criva o que passa e o que fica.
Até
que, como num instante de encanto, Alexandre Dumas – um dos tais autores que
todos leram, mas de cuja prole poucos se reivindicam – ascendeu ao Panteão dos
Imortais e transformou-se em clássico,
repousando os seus restos mortais na companhia de Voltaire, de Rousseau, de
Vitor Hugo, de Émile Zola e de Fénelon.
Os estudos culturais têm postulado uma
crítica da representatividade do cânone, enquanto fator de exclusão, ou seja,
de Homero a Joyce, o cânone privilegia um padrão eurocêntrico composto por uma
maioria de escritores mortos, brancos e homens. Esse padrão, ao ser endossado e
perpetuado, discrimina e alija a produção literária que opera fora dessas premissas.
As
universidades, instituições de conservação e resistência, que haviam recusado
este tipo de literatura, resolveram encarar de frente o incômodo intruso, num
misto de dúvida benevolente e de fastio. Mas, logo logo retomam os
pré-conceitos. Elas continuam aplicando o mesmo modelo que aprenderam; aplicando a relação de poder, aplicando o
poder dos grupos e, sobretudo, o poder do eixo Rio/São Paulo, aplicando a
mesmice, pois só é canonizado o escritor que, vivendo nessas regiões, pode
frequentar determinados círculos de influência, professores dos cursos de
pós-graduação, críticos literários, redatores de jornais, por exemplo,
resenhistas como os dos grandes jornais Folha de São Paulo ou Jornal do Brasil. Como
exemplo: a Folha de São Paulo prefere
analisar estrangeiros, traduzidos pela Companhia das Letras. Apenas os
escritores mais conhecidos obtêm guarida em suas páginas. É raríssimo aparecer
um escritor brasileiro desconhecido. De vez em quando, a Folha abre uma
exceção, porém nunca para escritores da província.
Isso tudo faz parte do cânone, das histórias do
cânone. Sempre será assim, mas não
podemos calar todas as vezes. Provocar é preciso!
A Universidade
brasileira continua mestra em perpetuar a mesmice. Estuda e analisa os mesmos
escritores, os mesmos nomes de sempre, em todos os programas de pós-graduação. Quando
estuda a contemporaneidade, é raro que chegue aos nossos dias, preferindo
permanecer nos canonizados Guimarães Rosa e Clarice Lispector, que, é claro,
devem ser estudados, mas, não só dos dois vive uma literatura!. De vez em
quando, alguns nomes novos são elevados à "dignidade" dos currículos,
são contemplados até nas provas dos vestibulares, e são canonizados. E, prova
máxima da canonização, são estudados e apresentados nos encontros da ANPOLL ou
da ABRALIC. Muitos sucumbem, e nunca mais re-aparecem. Outros caem no gosto do
leitor e estão canonizados, mas, se escutam a voz da etiqueta, menosprezam-nos
dizendo não ser literatura.
Uma curiosidade dos escritores à margem. Observa-se
que, em geral, são excluídos dos cânones: o popular, o humor, o satírico, a
prostituta e o erótico. O baixo é excluído. Permanece o alto. É
a etiqueta da literatura. Por que não se
arriscar por mares nunca dantes
navegados?
É claro e notório que o cânone literário não é uma
seleção de obras feita por uma elite, que se reúne para decidir quais serão
canonizadas ou não. Há todo um processo de seleção, formação e preservação de
uma obra literária. Obviamente, há uma valorização da obra, quando se considera
que ela contém qualidades que a distinguem e a tornam melhor do que outras.
Por
toda esta discussão é que precisamos trazer nomes outros, escritores
outros do verso e da prosa para a
Academia.
É aqui o lugar que nos estimula a repensar o poeta para
aquém ou para além do engajamento, ultrapassando os limites
da paisagem urbana, local, regional, universal. É aqui o lugar para estimular o
esquecimento e a memória, o real e o imaginário, o artístico e o cultural; o
sagrado e o profano; as amizades homoerotizadas ou homossexualizadas; a nação e
a periferia; o belo e o feio; as figurativizações do passado-no-presente.
Muitos certamente
passarão a ser sinônimos na literatura
brasileira contemporânea, como sinônimo é Adão Ventura Ferreira
Reis, nascido em 1946, em Santo Antônio do Itambé, Distrito de Serro/MG.
Advogado, formado pela Universidade Federal de Minas
Gerais, autor de livros de poesia, sendo os primeiros: Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul (Edições Oficina, 1970), As musculaturas do Arco do Triunfo (Editora
Comunicação, 1976). Escreveu cinco livros de poesia. O mais conhecido, A cor
da pele, de 1980, tem como tema as experiências do homem negro
brasileiro. Participou de antologias poéticas em vários países. Teve um de seus
poemas incluído na antologia Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século, organizada
por Italo Moriconi. Adão Ventura fundou,
juntamente com Afonso Ávila e outros escritores o Suplemento Literário de
Minas Gerais. Além de escritor, foi roteirista e participante do filme Chapada do Norte (1979). Na década de
90, atuou como Juiz Classista, e foi presidente da Fundação Cultural Palmares.
Faleceu no ano de 2004.
É aqui, portanto, que devemos valorizar a obra de
escritores mineiros, momento oportuno em que se discute o cânone e ousa mostrar
o que chamam, teimosamente, de a literatura da exclusão, a literatura
periférica, a literatura confessional, a literatura enjaulada, a
paraliteratura, também dita marginal ou literatura das bordas.
Flávio Koethe (2004) ressalta que o cânone
não é bonzinho e nem reconhece o mérito pelo mérito. Diz que ele seleciona o
que serve a seus propósitos políticos, sob a aparência de eles serem apenas
artísticos. [...] . Menciona, também, que um autor ser canônico não significa
que toda a sua obra esteja enquadrada no cânone. Pelo contrário, a seleção é
sempre mínima. Resta a alguns críticos, a partir disso, a esperança de reformar
o cânone, mantendo os mesmos autores e modificando apenas alguns títulos seus
(KOTHE, 2004, p. 43, 44).
Este texto faz parte do corpus da pesquisa Escritores Mineiros das Bordas Literárias,
em andamento, realizada na Universidade Estadual de Montes Claros, razão
por que passaremos a mencionar, numa espécie de desfile, os nomes
que farão parte do Guia Literário de
Autores Mineiros, que serão publicados em um site, e, posteriormente em livro,
apresentando vida e obra, de 50 autores
desconhecidos, mas que pretendemos estudar, nos moldes, como fizeram com Baudelaire.
Poesia: Adão
Ventura, Edimilson
de Almeida Pereira, Aroldo Pereira, Jove da Mata, Osmar Oliva, Waldir de
Pinho, João Naves de Melo, Geraldo Ribas, Josué Alves Martins, Dário Cotrim,
Rodrigo Guimarães, Fábio Alves Ferreira, Nair de Deus Prado Faria, Aníbal
Oliveira Freire, Marijô, Jandira Braga do Rosário, Lena Guimarães, Gildete dos
Santos Freitas, Janete Ferreira da Silva, Marli Fróes, Gy Reis, Gilmar Pereira,
Márcio Adriano Silva Moraes, Jason de Moraes, José Prudêncio Macedo,
Edson F. Andrade, Newton Brito de Almeida, Josué Alves Martins, Maurílio Néris
de Andrade Arruda, Theresa Campos Pereira, João Damasceno de Almeida, Renato
Carneiro Viana, Herbert Frota, Wanderlino Arruda, Mírian Carvalho, Adalgisa
Botelho de Mendonça.
Prosa: Manoel Ambrósio Júnior, José Antônio de Souza, Geraldo
Ribas, Petrônio Braz, João Naves de Melo, João Botelho Neto, Antônio Ferreira
Cabral, Corby Aquino, Humberto Antunes Madureira, João
Balaio, Geraldo Tito Silveira, Antônio Henrique de Matos Viana, Maria da
Glória Caxito Mameluque, Amelina Chaves, Maria Pires, Wanderlino Arruda, José
Wilson Barbosa, Míriam Carvalho, Marluce Barbosa, Carla Silene Campos, Waldemar
Uezébio.
Sendo assim, eis os nomes, não como a lista de Bloom, mas que
mostramos e pensamos como José Saramago: “Se podes olhar, vê. Se podes ver,
repara." Repare, portanto, os nossos escritores mineiros desentranhados do
cânone, falando de sua aldeia, para depois falarem do universo.
Os resultados da pesquisa
serão reunidos em artigos científicos, produzidos pelos alunos voluntários e
pelos professores que fizeram parte da Pesquisa em cada cidade citada no corpus. Ainda, produzir
e publicar um Blog na forma de documentário, cuja temática versará sobre fotos,
a vida e a obra, em resenhas, do labor poético (em prosa e verso), em torno do
imaginário das águas das comunidades pesqueiras e ribeirinhas das cidades do
norte de Minas, mencionadas no Projeto.
Conclusão
Por fim, chegamos
ao segundo ano da pesquisa. Apreendemos que hoje, o projeto literário dos
escritores periféricos é fazer com que a voz dos grupos excluídos da sociedade
retumbe no entre-lugar, no dizer de Homi K. Bhabha (1998), quando interpreta a cultura como estratégia
de sobrevivência. O estudo voltou-se para a investigação do imaginário escrito
nas/das águas, concernente aos causos narrados oralmente, e que foram
registrados por escritores
desconhecidos, anônimos, das cidades de
Pirapora, São Romão, São Francisco e Januária. Trata-se de narrativas que são
elaboradas no cotidiano dessas pessoas, na intimidade com as águas do rio São
Francisco, em sua labuta diária pela subsistência, nos prazeres e nos perigos
enfrentados na pesca ou no lazer. Com
base no conceito de performance, tomado de empréstimo de Paul
Zumthor(1993), depreendemos que as narrativas estudadas se manifestam através
de um corpus bastante amplo e variado: romances, contos, crônicas,
poesia, mitos, lendas, causos, cantigas, rezas, adivinhas, dentre outras formas
de expressões, ricas em significados, tais narrativas revelam informações
históricas, etnográficas, sociológicas e denunciam preceitos, costumes, idéias,
mentalidades, julgamentos, enfim, é a cidade e a periferia como monstro e suas
monstruosidades, sempre.
Referências
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Horizonte: UFMG, 1998.
BLOOM, Harold. O cânone ocidental. Trad. Marcos
Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
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CANCLINI. Nestor García. Culturas híbridas – Estratégias para entrar e sair da
modernidade. São Paulo: Editora da USP, 2000.
CASCUDO, Camara. A
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“O alto iluminismo e os subliteratos”. In: Boêmia literária e revolução.
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FERREIRA, Jerusa Pires. Heterônimos e Culturas das bordas. São
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PERRONE-MOISÉS, Leila. Altas
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PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000.
ZUMTHOR, Paul. A
letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
[1] Doutora em Comunicação e Semiótica. Mestre em Letras:
Literatura Brasileira. Professora do Programa de Pós-graduação em Letras:
Literatura Brasileira e Professora de Literaturas
de expressão portuguesa, do Departamento
de Comunicação e Letras da Universidade Estadual de Montes Claros/MG.
[2]
Professor de Literaturas de Expressão Portuguesa no Curso de Letras do
Departamento de Comunicação em Letras, da Universidade Estadual de Montes
Claros/MG.(Campus Darcy Ribeiro/Montes Claros).
[3]
Professor de Literaturas de Expressão Portuguesa no Curso de Letras do
Departamento de Comunicação em Letras, da Universidade Estadual de Montes
Claros/MG.(Campus de Januária).
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